naikan em maio 2020

Rascunho das coisas que pensei, pesquisei, enxerguei, senti durante a semana fazendo Naikan

O que eu pesquisei
O eu em relação a minha mãe
O eu em relação ao meu pai
O eu em relação ao Isack
Mentiras e disfarces
Coisas recebidas pelas pessoas ao redor

O objetivo do Naikan é alcançar um estado de espírito de viver com felicidade em quaisquer que sejam as circunstâncias exteriores.
Assim eu entendo o que está escrito na orientação.
Quando iniciou o Naikan, não consegui realmente vislumbrar um estado de espírito assim. Questionei a real possibilidade disso, achando que estava sendo colocado o objetivo alto demais. Achei papo filosófico, irreal, somente pessoas que seriam moralmente superiores podiam pensar em algo assim e colocar isso como alcançável, como o velho Sr. Yoshimoto que fala e insiste que precisa entender o quanto foi cuidado e mimado pela mãe, pelo pai, ou pelos avós que muitas vezes tratariam a gente como gatinhos fofos.
Mas também estava disposta a tentar fazer o Naikan deixando de lado as outras experiências com Naikan, me colocando no “Eu não sei, sou ignorante e aprendiz”.
Eu coloquei como tema que eu queria pesquisar o eu em relação à minha mãe pois mesmo depois de várias vezes tentando fazer essa pesquisa em outros Naikans eu falei que existia em mim uma barreira, uma não-aceitação da minha mãe da minha parte. Depois do último Curso para realizar o Um comecei a entender que barreiras e não-aceitação é algo irreal e não em conformidade com a razão. Um estado não-saudável, desviado do original e essencial. E que para isso tinha uma causa que podia ser removida fazendo o esclarecimento dos fatos, da realidade, do original e essencial.

Anotações:
Em relação a minha mãe
Ela me deu a vida como uma jovem de apenas 22 anos e assumiu me criar, junto com meu pai igualmente jovem.
Ela ficou grávida de mim e não foi planejado.
Às pressas casou com meu pai, eu nasci e ela começou a viver em função de mim.
Ela e meu pai eram jovens sem dinheiro, mas mesmo assim nunca faltou nada.
Ela costurou as minhas roupas, e não foram roupas quaisquer, ela caprichou com os detalhes, fez enfeites bonitos.
Ela penteou meu cabelo sempre antes de ir para a escola.
Ela veio andando comigo no primeiro dia do jardim de infância, tendo que levar junto o meu pequeno irmão e minha irmã que tinha acabado de nascer.
Ela comprou as pantufas para usar na sala de aula e a roupa para educação física.
Ela me levou para esquiar, me puxando para cima das colinas para eu poder deslizar para baixo, inúmeras vezes. Ela deve ter passado muito frio enquanto eu e meu irmão nos divertíamos. Minha mãe mesma não sabia esquiar. Na infância dela não tinha folga econômica para saindo por aí, passear, esquiar. Mas para mim ela comprou esquis, os sapatos de esquiar, as roupas quentinhas, tricotou as luvas e os gorros. Quando passei frio, ela esquentou as minhas mãos esfregando com as mãos dela. Quando crescemos, junto com o pai também esquiador fomos esquiar em lugares mais sofisticados, eram caros e para economizar a minha mãe fazia comida para levar. Sempre tinha caldo salagadinho e quente de legumes para tomar em uma garrafa térmica e sanduíches, maçãs e chocolates para comer. Enquanto ela ficava esperando no carro, a gente saia para esquiar e voltamos para tomar caldo quente e comer sanduíches. Minha mãe deve ter passado muito frio e deve ter sido muito tedioso para ela. Mas eu queria esquiar e nunca pensei um segundo sequer como seria para a ela ficar esperando a gente voltar da nossa diversão.
Para aumentar a renda da família, ela começou a trabalhar como faxineira na biblioteca municipal as noites quando meu pai podia tomar conta da gente. Ela nunca deixou eu e meus irmãos sozinhos.
Quando eu voltava da escola, ela sempre estava esperando na janela da cozinha para ver se eu podia atravessar a rua muito movimentada em frente ao prédio com segurança.
Quando eu roubei umas coisas numa loja, ela foi comigo para devolver e me ajudou a colocar de volta sem chamar a atenção. Ela deve ter sentido muito medo de ser pego. Mesmo assim ela não me repreendeu.
E assim a lista das coisas que ela fez para mim é interminável.
Às vezes a minha mãe ficava brava e sem paciência comigo e com meu irmão. Ela não gostava de ter a gente por perto quando ela tinha aquele monte de coisas para fazer, lavar, costurar, consertar as roupas, cozinhar, limpar, fazer geleias e conservas, cuidar ainda da casa da mãe dela como os irmãos solteiros. Minha mãe tinha sempre um padrão de limpeza e ordem muito alto, ela sempre deixava as coisas impecáveis, apesar de ter sido criada numa casa modesta e simples onde nem tinha banheiro com um vaso sanitário, somente um bloco de madeira com um buraco em cima do galinheiro. Somente quando eu já era grandinha que finalmente foi instalado um banheiro moderno da casa da avó.
Minha mãe também deu à luz 4 crianças em 6 anos e perdeu uma dessas crianças com 10 dias de vida por causa de um problema no coração do pequeno.
Será que alguém amparou ela nesses tempos difíceis?
Ela chegou a me contar uma vez que as pessoas tinha falado para ela não ficar triste, que ela já tinha duas crianças e que ela era nova e podia ter mais uma depois da perda. Quando visitei minha mãe quando ela tinha já quase 80 anos, ela falou que não foi concedido a ela um trabalho de luto adequado. Foi umas das poucas vezes que minha mãe se abriu comigo, falando dos sentimentos dela.
Uma outra vez foi quando eu liguei para ela, eu tinha 23 anos e ela 45. Eu perguntei “Mãe, como você está?” e ela respondeu “A vida é uma merda.” Eu era imatura demais para amparar ela, deixando ela falar mais dos sentimentos dela. Acho que rimos juntas, falando “pois é, a vida é assim mesmo.”
No apartamento onde morávamos até eu ter 12 anos, tinha um batedor de tapete, era de plástico, a cor era um rosa pálido. Esse batedor estava pendurado na porta da entrada do apartamento. Minha mãe chegou a usar para bater na gente, mas eu não lembro de momentos concretos. Mas o que eu lembro era que o batedor estava pendurado lá e foi usado como ameaça para a gente não fazer coisas erradas. Eu tinha medo desse batedor. E somente a minha mãe usava. Meu pai nunca bateu em nós crianças pequenas. Então eu criei dentro de mim a imagem que a mãe era brava e sem amor, e que o pai era carinhoso e seguro.

O eu em relação ao meu pai
Desde pequena eu senti carinho pelo pai. Ele era divertido, alegre, esportivo e moderno. Apesar de os primeiros salários ainda curtos, ele trazia sempre as novidades primeiro, tínhamos carro, televisão, tocador de disco antes das outras famílias. Ele tinha muitos amigos, se divertia saindo com eles, bebia demais e chegava a vomitar em casa. Minha mãe ficava implicando com ele, acusando ele de ter uma amante.
Com o tempo ele parou de sair e se tornou um pai de família sério, dirigindo o carro para a casa das avós, para os passeios de domingo e para esquiar em família.
Ele também era muito forte. Ele ajudava na colheita de feno da família da minha mãe e ele era quem carregava as cargas mais pesadas. Eu tinha muito orgulho dele.
Ele começou a se dedicar totalmente ao trabalho dele, o salário dele aumentava e ele usava tudo em função da família, começou a pagar um apartamento para a gente ter mais espaço.
Eu comecei a me interessar por esporte também pela influência dele. Éramos colegas que batiam altos papos sobre jogos de futebol.
Ele tinha orgulho de mim por ter sido boa aluna na escola. Eu nunca senti medo do meu pai.

Assim foi a minha infância.
Nunca faltou nada.
Tinha amor, carinho, dedicação em abundância.
Eu tinha me tornado uma adolescente rebelde e mal educada especialmente com a mãe.
Eu cutucava ela ainda mais quando ela ficava brava. Eu entendo agora que eu fiz isso também porque eu no fundo sabia que ela nunca ia me abandonar. Era uma relação do lado dela inabalável. Eu podia falar coisas horríveis para ela, ela continuava de fazer comida para mim, de lavar a minha roupa e de limpar o meu quarto. Ela tinha uma ideal de mãe e tentou se ajustar o quanto ela podia – nunca deixar de faltar nada, sempre estar presente e dar o melhor de si.
Ela também começou a cuidar de uma amiga com esclerose múltipla com muita dedicação. Eu não entendia porque ela estava fazendo isso. Eu achava que minha mãe tinha que cuidar somente da família.

(Sobre mentiras e disfarces. Sobre coisas recebidas pelas pessoas ao redor. > vou escrever mais depois)

O que eu levo comigo agora desse Naikan é a sensação de ter compreendido um pouco o sentido dessas palavras iniciais da estado de espírito de felicidade em quaisquer que sejam as circunstâncias.
Vendo a minha vida só consigo ver agora a realidade de eu estar do lado de quem recebe, recebe e recebe.
Eu recebi da minha mãe, eu recebi do meu pai, eu continuo recebendo como seu eu fosse aquela criança dependente.
Eu recebo do Isack, amor, carinho, apoio em tudo que eu resolver fazer.
Ele me amparou em todos os momentos que eu me sentia sozinha e confusa.
Do lado dele a nossa relação é inabalável igual da relação dos meus pais, especialmente da minha mãe.
Tudo que eu fizer está sendo proporcionado pelas pessoas ao redor.
Nada é possível eu fazer sozinha.
Sozinha é algo que não existe.

Um outro ponto muito importante é que através desse Naikan eu compreendi melhor sobre “esse foi o meu estado naquele momento”, não tem necessidade de ficar ligando aquele meu estado ou os meus atos naquele momento com o presente. O que foi, foi. O que existe é a vida agora, o que eu quero ser, como eu quero que a vida será. Compreendendo que não existe culpa, nem minha, nem das pessoas, mas que os nossos atos e palavras são manifestações do estado daquele momento que foi se formando pelas influências da sociedade ao redor. A única pergunta é o que eu quero fazer daqui pela frente, que pessoa eu quero ser.