Curso para conhecer a si (10 a 16 de outubro de 2021 em Jaguariúna)

1. Motivação

A vontade de participar surgiu do desejo de me rever desde o início. Com o texto sobre o AsOneMeeting, as expressões “sem embelezar, do jeito que está” viraram assunto. No começo não conseguia nem imaginar do que poderia se tratar, mas com o tempo senti que aí tinha uma coisa relevante de verdade. Se fizer isso, vai conseguir simplesmente observar em vez de explicar, discursar, procurar justificativas, etc., algo que também não tinha entendido esses anos todos participando de reuniões com o intuito de pesquisar a si, a vida, a sociedade. Sempre pulando etapas, fazendo algo diferente do proposto, isso eu senti, mas como seria então algo diferente disso?

Fiquei também bem motivada de vir para estar junto com as pessoas novas nesta jornada do método ScienZ, e com o Lucas. Me deixar inspirar por pessoas que talvez não tinham uma imagem, uma experiência com o movimento Yamaguishi dentro do qual a gente tinha colocado bastante ênfase na forma, sem realmente entender o conteúdo.

Estava também querendo entender melhor um tipo de padrão que eu achava em mim participando dos cursos nestes 5 anos recentes. Sempre chegando com motivação própria, mas no meio do curso entrando em algum tipo de desespero, de cansaço, de não preenchimento e não satisfação. Através do exemplo da Angela na Suíça comecei a pensar sobre “querer ser alguém diferente do que sou, me esforçar para ser de um determinado jeito, do jeito correto, desejável…” Será que eu também estou fazendo isso? E si, do que se trata?

2. As minhas impressões. Coisas que pensei, refleti, percebi.

Já logo no primeiro dia entrei no maior impasse. Fiquei muito incomodada com a Alam falando muito, as vezes cortando as falas dos participantes. Achei que não estava dando espaço para o pessoal pensar com calma, senti como se ele fosse tentando ensinar.

Mesmo falando para mim mesma que tudo isso era percepção minha, que o Alam tinha os motivos dele de fazer desse jeito, eu fiquei meio em um estado de choque comigo mesma, achando que eu estava fazendo algo errado e ruim julgando o Alam desse jeito. Senti que sem olhar para este meu estado ia ser muito difícil fazer o curso, mas eu estava achando que eu não podia falar esses meus pensamentos sobre o Alam na frente de todos. Estava sentindo muito medo mesmo. Medo dos meus sentimentos, medo da reação das pessoas se eu falasse sobre o Alam desse jeito.

No relato do dia tentei então escrever do jeito que estava, mas várias vezes pensei em não entregar o relato para os zeladores. No fim entreguei, mas não falei nada claramente na reunião. “Não dá para falar isso, não dá…”

Na rodada como foi o dia, ainda tentei fazer uma exposição do que estava acontecendo dentro de mim, procurando palavras e expressões que camuflassem meus sentimentos. “Hoje aconteceu algo que me deixou bastante incomodada…bem, tudo bem, não precisa falar os detalhes, então eu sinto que…” Todo um discurso, tentando esconder o que eu já tinha fixo dentro de mim que não podia falar.

Depois de falar eu me senti tão vazia, tão não satisfeita, e senti isso até no ar, nas pessoas. Acho que isso foi no final do segundo dia. Então já tinha passado dois dias do curso e eu neste estado de desespero. Quando no terceiro dia de manhã na roda da manhã o Alam falou “falar do jeito que está” e chegou a minha vez de falar, eu desabei. Comecei a falar do meu medo do que os outros participantes iam pensar se descobrissem que eu, mesmo depois de tantos cursos, não tinha entendido nada. Que ninguém mais ia querer voltar para fazer outros cursos. A partir disso, eu acho que me senti cada vez mais a vontade de colocar. E senti cada vez mais vontade de colocar do jeito que estava dentro de mim. 

Estou relendo os relatos dos dias e também percebo bastante como os relatos são diferentes dos cursos que já fiz. Sinto muito mais simples, descomplicado, franco.

Relendo mais uma vez a minha motivação, lembro dos primeiros cursos aqui com Ono san. Quando eu entrei em desespero por alguma coisa relacionada ao Matheus ou à Nanako, a gente sentou num canto e ele me ouviu durante alguns minutos num intervalo. Só a sensação que ele estava só ouvindo, sem julgar, sem dar nenhum tipo de aviso, me tranquilizou até o ponto de poder continuar o curso. Fiquei intrigada com esse jeito diferente do Ono san ouvir. Sempre achei ele um cara legal, tranquilo, mas depois de 2016 senti que um tipo de ansiedade dele que ainda eu tinha sentido quando a gente trabalhou juntos aqui 20 anos atrás, não tinha mais. Parece que não tinha mais coisas que tinham que ser feitas para ele, mas por outro lado coisas que ele queria muito fazer. Uma dessas senti como “ele quer ouvir a pessoa”.

Depois de ter falado mais francamente nesta manhã do terceiro dia, experimentei falar várias coisas que eu tinha fixado como “isso não dá para falar”. 

Sobre cada tema, sobre a teoria, uma coisas me veio me intrigando é como alguém que “sabe” tanto da teoria não consegue aplicar isso em si. Agora eu acho que mesmo a tal de “teoria” não é algo para ver e entender um funcionamento, um mecanismo, mas que já quando eu tento ver a teoria é algo sobre mim. Não só “como funciona isso?”, mas “como funciona isso em mim?” Sendo eu um ser humano, através do meu próprio exemplo fazer a pesquisa como primeiro passo para “conhecer”.

Se não fizer isso, nem dá para chamar isso de pesquisa, de usar a cabeça, usar a própria inteligência. Não é diferente de ler um livro, ouvir uma palestra. Eu me dando uma palestra sobre como funciona o ser humano. Parece algo sem carne, sem alma, sem conteúdo.

O que eu vi sobre mim durante esse curso?

No dia a dia, medo, muito medo.

Medo do que as pessoas pensam de mim.

Eu me escondendo, o tempo todo olhando se tem alguém olhando.

Sinto vergonha de um monte de coisas.

Agora por exemplo, faço exercícios em casa, mas só quando não tem ninguém em casa.

Espero o Isack sair, aí eu faço.

Nunca usaria shorts ou saias curtas porque acho as minhas pernas feias. 

Nem vou na praia por causa disso.

Quando vejo as mulheres expondo o corpo gordo, penso “como essa pessoa tem coragem de fazer isso ?, eu não teria…”

É só um exemplo de viver na base de “ter coragem de fazer algo ou não”.

Viver a vida com esse esforço de criar coragem, e ainda achando que isso é a forma “normal” de viver.

Não é possível que seja isso, onde então está o erro?

Pois é: 

Não conheço o pensamento do ser humano.

Vejo – percebo – reconheço, tudo acontece dentro de mim.

Pernas feias, pernas bonitas – sim, e assim que eu “reconheço”, mas não é nada sobre as pernas em si.

Também não tem nada de errado de reconhecer desse jeito, simplesmente se formou dentro de mim uma visão sobre beleza recebendo todo tipo de impulsos do meu ambiente.

Tudo bem eu achar pernas feias ou bonitas, mas pernas em si são pernas.

Como será que são pernas, simplesmente sendo pernas?

O que são pernas, sendo simplesmente pernas?

Como outras pessoas veem pernas?

Qual é o problema de ter pernas que eu considero feias? Porque não deve se expor pernas feias? 

Na real? 

Não puxando um monte de lembranças, mas honestamente, agora, “onde está o não deve se fazer isso”?

Criar coragem, é preciso coragem, não tenho coragem de fazer – em outras palavras, é encarar o medo, conhecendo ele, ver de que tipo de coisas ele é composto e no fim entender que ele é um fantasma dentro de mim, criado por mim pelos certos e errados solidificados dentro de mim, que eu captei do meu ambiente, um ambiente que também não sabe a distinção entre o real, o fato e a nossa percepção e reconhecimento deles.

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Até aqui por enquanto