Naikan

Hoje é sábado 31 de julho de 2021. E esse é o relato do meu segundo Naikan. No começo desse mês eu estive aqui na escola Scienz nos cursos “conhecer e o olhar a si” e na transição entre os cursos, durante uma conversa de corredor, eu me deparei com um sentimento estranho em relação a um relato que eu expressei naquela manhã. Já não lembro bem nada desse sentimento, mas o relato foi sobre um envolvimento amoroso que tive, e o comentário que a Sheila fez foi que ela achava aquilo tudo uma grande peça de teatro. Na hora me veio ” preciso olhar pra minha relação com o teatro urgente!”.

Acho que naquele momento eu percebi que estava tudo embaralhado aqui dentro de mim, o modo como capto as histórias e o modo as expresso. E que nunca olhei com distância minha relação com o fazer teatral, que venho num fluxo de envolvimento com isso desde dos 11 anos, e que talvez fosse necessário olhar com um passo atrás, pegar distância para ver o real. Aí deu sorte de ter um NAIKAN agendado para esse mesmo mês.

O NAIKAN é esse espaço que permite observar o real sem julgamentos, que dá a possibilidade de perceber como as coisas estão formadas aqui dentro. É quase com uma sessão de acupuntura, põe-se o foco em determinados pontos da vida, como uma agulha nos meridianos, e os pontos fixos, as ideias fixas, se dissolvem… a energia vital, o chi, passa a circular livremente. É assim que me sinto nesse momento, fluindo internamente como quando saio da acupuntura. Estou feliz. Me sinto calma.

Eu percebi o quanto o teatro na minha adolescência se tornou uma grande e densa ideia fixa, uma verdadeira ideologia, uma causa a se lutar. E o que me surpreendeu foi notar que essa atitude estava ligada a um vazio relacionado a minha mãe. Tão bom esclarecer isso internamente, pois fiz do teatro minha profissão, então vou me deparar com coisas o tempo todo onde é fundamental ter esse olhar pro fato, pro que é real, pro que operava/opera aqui no meu pensamento.

Fora a relação com o teatro e as pessoas que o circunda, nesse NAIKAN pude olhar para alguns amigos, para o Pedro (que foi meu companheiro por 3 anos) e para meus pais. Quando fiz a observação em relação ao Pedro e ao meu amigo Bruno, muita emoção se desprendeu do meu corpo, foram os mais intenso nesse naikan todo. Chorei muito e era como se as memórias fossem tão nítidas que é como seu tivesse acabado de vivê-las. Eu não esperava por essa experiência intensa, acho que algo mudou internamente. Teve um outro momento estranho que eu não conseguia me lembrar do rosto da minha mãe, o fluxo de memória cessou na hora e fiquei alguns minutos em agonia profunda, logo em seguida notei que uma imagem tinha surgido e eu fiquei me vitimando com a situação.

Eu não sei como uma imagem se fica internamente, como algo tão insubstancial é capaz de ter tanta força como pensamento. Só sei que tudo que é represado/fixado causa sofrimento, eu que pra isso não acontecer, ou para dissolver os efeitos disso, é necessário umas boas doses do real. É necessário pesquisa. E pra pesquisa acontecer são necessárias as ferramentas para saber olhar para si e para permitir que o real se revele. Foi muito bom ter feito essa imersão tão próxima dos cursos, acho que minhas ferramentas estavam afiadas.

Saio desse NAIKAN com os pensamentos fluídos, mas com a sensação clara que isso é um cultivo de si, que vou precisar retornar várias vezes para cá. Assim como não se faz só uma sessão de acupuntura. Cada vez aqui é a oportunidade de entender o modo como capto e reajo no cotidiano da vida.